3.3.07



BRINDE


Paisagem

Passavam pelo ar aves repentinas,
O cheiro da terra era fundo e amargo,
E ao longe as cavalgadas do mar largo
Sacudiam na areia as suas crinas.

Era o céu azul, o campo verde, a terra escura,
Era a carne das árvores elástica e dura,
Eram as gotas de sangue da resina
E as folhas em que a luz se descombina.

Eram os caminhos num ir lento,
Eram as mãos profundas do vento
Era o livre e luminoso chamamento
Da asa dos espaços fugitiva.

Eram os pinheirais onde o céu poisa,
Era o peso e era a cor de cada coisa,
A sua quietude, secretamente viva,
E a sua exalação afirmativa.

Era a verdade e a força do mar largo,
Cuja voz, quando se quebra, sobe,
Era o regresso sem fim e a claridade
Das praias onde a direito o vento corre.

(Sophia de Mello Breyner Andresen, Obra Poética I)





FAVA


Tríptico Nómada

II – Paris, Sumário

1
paris, o ar, a traqueia
vertida,
dormir em pé nos bancos
(lénine) do parque ratazana
: dormir pelo sofá
(freud) do Hotel do Brasil ao 6°
andar sem as-
censor
de olhar tão lentamente a pedra, o rio, a folha,
que o fio ao dissolver-se trans
pareça
a pura forma de ar, íris, parure

2
paris, o desemprego. açorda de gente em pasmo,
cenoura matinal & mal cozida.
acertar a samarra ao apito do campo
(campo)
onde bois, esterco, o ventre hospitaleiro,
a machada de cobre à entrada das alfândegas.
passo a mão no teu rosto repensando
que nos resta comer a mão do céu
ou, microscópica, a vaca do deleuze.

3
paris, astrologia. antes da lei: a regra
de estar juntos no mar interno à veia:
diz-se (lei
bniz) do compossível.
sofre, traqueia, o golpe
das dedadas no chumbo:
esperando Saturno no quadrante de Vé
nus.

4
volta, paris, à terra prometida: jerus
além de garra
fão & diner’s club:
que o fio ao dividir-se
transpareça
em sua sombra a pedra, a folha,
o rio.

5
paris, bosque de vin
scènes dez da manhã:
de tal i qual no brr
aço, & no pinheiro
cartazes délecê.

6
asa sem paz (aro), migrante: de empire
state no bolso azul de cheviote,
édipo duro dura, assobiando
madra-goa em chicago, bar-d(o)
e máfia.

paris, ocasional: pele da pele, e-
terna, acaso um salto:
a dança: íris de riso, um rio.

(António Franco Alexandre, Poemas)

2 comentários:

Susana Alves disse...

E cá está a continuação deste maravilhoso tríptico. Aposto que já está tudo ansioso pelo dia 7...

sea disse...

Quem me dera agora estar nas "...praias onde a direito o vento corre."