17.1.07


BRINDE


Cristo-Báquico

Nasceu na terra como as fontes
misturado com os animais
que irreprimíveis pelos montes
se dão nas luas casuais.

Do bicho à boca
da boca à fome
dos animais que os bichos comem,
subiu mais alto. Até ao homem
com fome e sede no seu caminho.
E ele era o pão. E ele era o vinho.
Porque era a taça servindo o sangue
que lhe batia no coração.

Da sua carne brotou
em flor Maria Madalena
e amando-a nela se mostrou
ele mesmo em beleza de fêmea.

A impiedade o esmagou
com o peso da divindade;
Preço que aos vendilhões pagou
para ser príncipe de outra verdade.

Os espinhos da rosa mais nocturna
em seu corpo de lírio se cravaram.
E os dedos da estrela mais soturna
a fronte pura lhe enodoaram.
Mas espinhos e dedos perfumou
com o cheiro que da terra trazia
porque na carne crucificada
era Diónisos que ria.

(Natália Correia, Poemas, 1955)





FAVA


Cópula

No prado, onde as vacas, imóveis,
esperam a passagem do comboio, ouve-se um ruído
de ramagens fustigadas pelo vento. Não sei se
é o outono que chega, ou se o verão ainda resiste
à chegada da breve estação. No entanto,
o comboio demora-se; e a vaca que não quis
esperar parou no meio da linha, com uma raiz
metafísica que se meteu na terra e a prendeu, impedin-
do-a de fugir à investida da locomotiva. (O
resultado, meses depois, foi um bezerro
a vapor).

(Nuno Júdice, A Fonte da Vida, 1997)

1 comentário:

Manuel disse...

" e a vaca que não quis
esperar parou no meio da linha, com uma raiz
metafísica que se meteu na terra e a prendeu, impedin-
do-a de fugir à investida da locomotiva. (O
resultado, meses depois, foi um bezerro
a vapor)."

Aristófanes não faria melhor... 8)