7.1.07



BRINDE


Timeu - Imitando a figura do todo, que é redonda, prenderam os circuitos divinos, que são dois, dentro de um corpo esférico, aquele a que agora chamamos cabeça, que é a parte mais divina, que domina sobre todas as partes que há em nós; e à qual os deuses deram a totalidade do corpo, como seu servo, unindo-a a ele, prevendo que ela participasse em todos os movimentos que viesse a haver. E assim, a fim de que não andasse a rolar sobre a terra, que está cheia de elevações e depressões de todo o género, com dificuldade em trepar a umas e em sair de outras, deram-lhe o corpo como veículo e meio de adequada deslocação. Daí que o corpo se tenha tornado comprido, tendo crescido nele quatro membros extensíveis e flexíveis, produzidos pelo deus com vista à deslocação; por forma a que, servindo-se deles para agarrar e se apoiar, se lhe tornasse possível deslocar-se por toda a parte, transportando ao alto a morada daquilo que há em nós de mais divino e sagrado.

(Platão, Timeu, 44d-e;
trad. Maria José Figueiredo, Instituto Piaget, 2004)






FAVA


Como se uma estrela hidráulica arrebatada das poças,
Tu sim deslumbras, Por coroação:
por regiões activas de levantamento:
por azougue da cabeça,
Brilhas pela testa acima,
Ceptro: potência – ah sempre que o chão crepita
dos charcos de ouro,
E no corpo trancado a veias
e nervos: o sangue que se afunda e faz tremer
tudo, Tocas
com um arrepio de unha a unha
o mundo, Pontada
que te abre e aumenta
ou
- onde se um troço dessa massa
intestina: e como respirada: às queimaduras
primitivas – Boca:
sexo: viveza
das tripas: uma glândula que te move
ao centro, Amadureces como um ovo,
Na traça carnal: todo
com um golpe com muita força para dentro

(Herberto Helder, A cabeça entre as mãos, 1982)

3 comentários:

Ricardo disse...

Está bem. Percebo por que é que algumas palavras, nalguns poemas, estão em maiúsculas. Mas a preposição "por"...
Sinceramente, acho que gosto sempre mais das favas... fazem-me rir!

Anónimo disse...

Acho que há muitos anos não provava tão saborosa fava...
Do brinde é melhor nem falar.

Manuel disse...

hmmm..

Olha que, se o Platão não fosse tão paradoxalmente poético, como é, eu trocaria a fava com o brinde.

Mas é já uma questão de gosto. Para mim a poesia não deve obdecer a espartilhos semânticos ou linguísticos. Ou seja, pode e deve falar de todos os elementos que compõem a vida humana, desde o sexo à amizade, o ódio, a raiva, a angústia, e até a momentos menos convenientes da vida mas que todos fazemos algumas vezes por dia.
Porque tudo isto é o ser o humano e a poesia não é mais nem menos que a expressão da globalidade do ser humano. Mas como dizia é uma questão de gosto.

Beijinho. 8)