13.2.07

BRINDE


(…)
Ó tramways, funiculares, metropolitanos,
Roçai-vos por mim até ao espasmo!
Hilla! hilla! hilla-hô!
Dai-me gargalhadas em plena cara,
Ó automóveis apinhados de pândegos e de putas,
Ó multidões quotidianas nem alegres nem tristes das ruas,
Rio multicolor anónimo e onde eu me posso banhar como quereria!
Ah, que vidas complexas, que coisas lá pelas casas de tudo isto!
Ah, saber-lhes as vidas a todos, as dificuldades de dinheiro,
As dissensões domésticas, os deboches que não se suspeitam,
Os pensamentos que cada um tem a sós consigo no seu quarto
E os gestos que faz quando ninguém pode ver!
Não saber tudo isto é ignorar tudo, ó raiva,
Ó raiva que como uma febre e um cio e uma fome
Me põe a magro o rosto e me agita às vezes as mãos
Em crispações absurdas em pleno meio das turbas
Nas ruas cheias de encontrões!

Ah, e a gente ordinária e suja, que parece sempre a mesma,
Que emprega palavrões como palavras usuais,
Cujos filhos roubam às portas das mercearias
E cujas filhas aos oito anos - e eu acho isto belo e amo-o! –
Masturbam homens de aspecto decente nos vãos de escada.
A gentalha que anda pelos andaimes e que vai para casa
Por vielas quase irreais de estreiteza e podridão.
Maravilhosamente gente humana que vive como os cães
Que está abaixo de todos os sistemas morais,
Para quem nenhuma religião foi feita,
Nenhuma arte criada,
Nenhuma política destinada para eles!
Como eu vos amo a todos, porque sois assim,
Nem imorais de tão baixos que sois, nem bons nem maus,
Inatingíveis por todos os progressos,
Fauna maravilhosa do fundo do mar da vida!
(…)
(Álvaro de Campos, Ode Triunfal, Ficções do Interlúdio, 1914-1935)





FAVA


Zoologia: A Jibóia

Quando a perna do homem entrou
na boca da jibóia, o homem
tornou-se parte da jibóia. O sangue
da perna e as secreções da jibóia
tornaram-se parte do mesmo suco
digestivo; e quando o homem, com
um golpe de faca, cortou
o pescoço da jibóia, cortou ao
mesmo tempo a sua própria perna. Então,
coxeando, o homem entrou na aldeia:
branco como a pele da jibóia,
engoliu aves, cabritos,
e até uma criança distraída… Depois,
estendido na praça da aldeia,
esperou que outros homens lhe cortassem
a barriga, com uma faca: e viu
sair de dentro de si
as galinhas a cacarejar, os patos
a grasnar, e uma criança
estremunhada
a chorar.

(Nuno Júdice, A Fonte da Vida, 1997)

2 comentários:

Ricardo disse...

"Hoje é dia 14, deixa lá ver o que é que a Susana escreveu ontem, que foi um dia acabado em 3!"
Cá está, não falha.

Anónimo disse...

BAHHHH! que horror, bicho horroroso!vou ter pesadelo, lol! e viu sair de dentro de si as galinhas...aiai, sabes como sou susceptivel... lol
* Rute *
PS. agora um brinde com o SR. Vaz de Camões